
NA DISNEYLAND DO CAPITALISMO,
NEM AS PRINCESAS ESTÃO A SALVO
A verdade por detrás do Dubai do Instagram
Quando a poeira assenta e o fascínio pela evolução tecnológica se desvanece, a máscara cai e o Dubai dos sonhos revela-se um autêntico pesadelo no que aos Direitos Humanos diz respeito.

Imagem: Vecteezy
Para os turistas, um (aparente) paraíso do Golfo Pérsico. Para quem se contenta com o Dubai do Instagram, um sonho luxuoso e uma cidade que vai certamente parar à bucket list. No entanto, para as mulheres que vivem efetivamente a (tóxica) cultura tradicional, uma autêntica prisão. Por detrás do sonho, está a realidade - mais escura e tóxica do que qualquer fotografia 4K é capaz de revelar.
No Dubai, nada é o que parece. Pelos resorts e hotéis luxuosos, dá-se graças a Sheikh Mohammed como se de um mantra se tratasse e assiste-se à idealização de um homem que esconde a sua verdadeira faceta por detrás do sucesso de uma cidade. É visto no Médio Oriente como o homem por detrás da metamorfose económica do Dubai, que é agora um dos principais destinos de negócios e de turismo.
Sheikh Mohammed envolveu-se ainda nos negócios do seu pai, fazendo parte de um plano para compensar a diminuição das reservas de petróleo do Dubai, que diversificou a economia e tornou o Dubai num centro internacional financeiro, comercial e turístico.
Em 2006, Sheikh Mohammed tornou-se vice-presidente e primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos, bem como governante do Dubai, que continuou a evoluir a um ritmo exponencial. Atualmente, com 71 anos, é um dos homens mais ricos e poderosos do mundo e ocupa os cargos de vice-presidente e primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos (EAU).
Se hoje é certo que o Dubai é um verdadeiro parque de diversões para aqueles que têm a carteira (bem) recheada, é igualmente verídico que este boom da construção e esta aparência futurista e moderna do Dubai não seria possível sem o trabalho precário e mal remunerado de trabalhadores da construção civil, que se queixam de exploração.
O que poucos sabem e muitos ignoram é que a metamorfose que deu origem àquela que é agora uma das cidades mais cosmopolitas do mundo deu-se à custa de trabalho precário em condições abusivas, pelas mãos de um sistema que tira o chão aos seus trabalhadores. A verdade é que na capital dos influencers não se fala, não se questiona e não se escreve sobre o lado negro do Dubai. Entre festas de VIP’s, saídas à noite e praias paradisíacas, não há tempo para reconhecer que a cidade do glamour e da abundância só o é para uma minoria.
Na Disneyland do capitalismo (leia-se Dubai), nem as princesas estão a salvo e o caso da Princesa Latifa é a prova disso.
Segundo o Artigo 13º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu (...)”. No entanto, a filha do Emir dos Emirados Árabes Unidos (EAU), Princesa Latifa, continua presa contra a sua vontade desde o momento em que tentou gozar de uma vontade que é sua por direito: sair do seu próprio país.
Em 2018, a Princesa Latifa bin Mohammed al-Maktoum despertou a atenção internacional depois de um grupo de direitos humanos ter divulgado um vídeo feito pela mesma, no qual contava que tinha tentado fugir do Dubai. A princesa de 35 anos tentou escapar duas vezes do controlo constante por parte do pai, no Dubai, em 2002 e em 2018.
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Princesa Latifa acusa o pai, governante do Dubai. de a manter presa contra a sua vontade. Imagem: Metrópoles
Na segunda ocasião, Sheikha Latifa fugiu a bordo de um iate e, posteriormente, foi encontrada por comandos indianos que invadiram o navio perto da costa da Índia e a entregaram aos oficiais de segurança dos Emirados. Desde aí, a princesa não voltou a ser vista em público e, para além do pedido de ajuda clandestino em formato vídeo e de uma fotografia de um almoço, em 2018, com a presença da ex-presidente irlandesa Mary Robinson, não há quaisquer provas de que Latifa esteja viva.

Fotografia de um almoço, em 2018, com a presença da ex-presidente irlandesa Mary Robinson. Imagem: The New York Times
Latifa não é o primeiro membro da família real a tentar fugir. Em junho de 2019, a princesa Haya bint Hussein, de 45 anos, sexta esposa do Emir, fugiu para a Alemanha para pedir asilo político. A irmã de Latifa, a princesa Shamsa, também tentou fugir em 2000. Toda a história é perturbadora: há alegações de opressão, abusos e controlo contra um dos homens mais poderosos do Golfo.
Em fevereiro de 2021, a BBC teve acesso a um outro vídeo da Princesa Latifa, em que a mesma diz estar a ser mantida em cativeiro pelo seu pai numa “vila transformada em prisão”, “sem acesso a ajuda médica” e em “confinamento solitário”. “Todos os dias estou preocupada com a minha segurança na minha vida. Eu realmente não sei se vou sobreviver a esta situação”, afirma Latifa no vídeo divulgado. Não se sabe a data de gravação dos vídeos e ninguém sabe se está viva, visto que os amigos de Latifa já perderam contacto com ela há mais de seis meses.
Não foram divulgados os motivos que levaram a Princesa Latifa a tentar fugir em primeira instância, no entanto basta explorar a cultura dos Emirados Árabes Unidos e do papel das mulheres no país para que tenhamos uma pequena noção daquela que é a verdadeira realidade do país.
Não foram divulgados os motivos que levaram a Princesa Latifa a tentar fugir em primeira instância, no entanto basta explorar a cultura dos Emirados Árabes Unidos e o papel das mulheres no país para que tenhamos uma pequena noção daquela que é a verdadeira realidade do país.
Infelizmente, este controlo constante por parte do sexo masculino não advém apenas de costumes e tradições. Ainda que algumas alterações mínimas (mas significativamente positivas) já tenham sido feitas, a própria legislação continua a deixar as mulheres de mãos e pés atados e sem qualquer forma de exigir que justiça seja feita.
Ainda que as mulheres tenham direitos, sob a Personal Status Law, em pleno século XXI, algumas (ainda) dependem da aprovação formal de um ‘guardião’ masculino (leia-se o cônjuge ou um parente masculino), para lhes conferir permissão certas coisas e determinadas atividades - como casar, ter a guarda dos próprios filhos, herdar bens ou até, em casos extremos, para arranjar trabalho ou para apenas sair de casa.
O divórcio é também muito mais difícil para as mulheres. Se, por um lado, os homens podem divorciar-se unilateralmente, por outro, as mulheres não têm a mesma sorte e precisam de pedir uma ordem judicial. Nestes casos, sendo que os cargos jurídicos são geralmente ocupados por Homens, são raras as vezes em que uma mulher consegue vencer este tipo de processos.
Embora este tipo de leis não sejam tão rigorosas ou abrangentes como na Arábia Saudita, continuam a ter impacto extremo na vida das mulheres. Em termos práticos, independentemente dos direitos que efetivamente são seus, é ainda muito difícil para uma mulher defendê-los em tribunal.
Nos últimos dois anos, a Amnistia Internacional constatou que o Artigo 53.1 do Código Penal, que consentia que “a disciplina do marido à sua esposa" era "um exercício de direitos", ainda estava em vigor. No entanto, em 2020, a organização soube que esta cláusula (felizmente) foi removida.
Atualmente, os Emirados Árabes Unidos são conhecidos pela forma como forçosamente censuram e influenciam todo o tipo de informação que é divulgada a seu respeito - e a comparação de dois estudos relativos à igualdade de géneros é a prova disso.
Se, segundo o estudo do In The World Economic Forum, os EAU ficaram ainda em segundo lugar na região do Médio Oriente e do Norte de África (MENA) pela igualdade de género; no relatório Global Gender Gap da WEF, a região de MENA teve a classificação mais baixa de todas as regiões - sendo que só Israel se encontra no top 100. Neste estudo, os Emirados Árabes Unidos terminaram em 120º lugar num ranking mundial que termina no 153º lugar.
Desta forma, em pleno 2021, podemos afirmar que uma das cidades mais tecnologicamente evoluídas do mundo continua a ser uma das mais retrógradas no que aos Direitos Humanos diz respeito. Às tantas, o caráter futurista do Dubai ofusca quem olha para a cidade de um ponto de vista privilegiado e os arranha-céus deixam a tóxica realidade na penumbra.